Richard Hayes, ex-pastor Adventista do Sétimo Dia, e agora aposentado Tomado da revista Proclamation!,Vol. 4, Issue 5, 6
Em certa ocasião, um oficial da Conferência Geral disse a minha classe de Escola Sabatina que as controvérsias doutrinárias na Igreja Adventista do Sétimo Dia ocorrem porque os ministros Adventistas fazem estudos de grau em universidades protestantes. Por sincero que tenha sido este cavalheiro em sua opinião, isto se parece muito a lhe jogar a culpa da dor do dente molar ao dentista cujo treinamento lhe permitiu localizar cáries. A afirmação deste oficial dava a entender que há, ou deve ter, uma barreira de separação entre a Igreja Adventista e o Protestantismo. E dá lugar à questão de se os Adventistas são protestantes. Qualquer um que tenha lido as críticas contra a Igreja Católica em "O Grande Conflito" pode ser induzido a achar que a Igreja Adventista é firmemente protestante. De fato, afirma-se desde os púlpitos Adventistas que à IASD se tem encomendado a tarefa de terminar a obra dos Reformadores do século dezesseis. No entanto, o opor-se ao catolicismo não faz a ninguém necessariamente protestante; se assim fosse, os comunistas seriam protestantes. Também não se aderem aos princípios protestantes todas as igrejas que evoluíram da Reforma. O protestantismo dos reformadores se identificava por certas doutrinas distintivas, as mais importantes das quais eram: I) Justificação pela fé; II) O sacerdócio de todos os crentes; e III) A autoridade da Bíblia.
I) Justificação Pela Fé Lutero chamava à justificação pela fé o resumo de toda a doutrina cristã sobre a qual a igreja se sustenta em pé ou cai. Não se pode renunciar a nada nem se pode transigir com nada neste artigo. [1] Junto com os outros reformadores, Lutero ensinava que, quando achamos que, por amor a Jesus, nossos pecados são perdoados, recebemos o perdão dos pecados e somos justificados pela graça de Deus por meio da fé. [2] A Declaração das Crenças Fundamentais Adventistas não trata o tema da justificação especificamente, mas afirma: "A salvação é completamente por graça e não por obras, mas seu fruto é a obediência aos Mandamentos ... A obediência por fé demonstra o poder da fé para mudar as vidas ...". [3] Esta afirmação deve considerar-se no contexto do ensino Adventista do período de prova e do juízo investigativo. No Adventismo, o pecador arrependido vive num estado de prova até que seu caso seja levado a um juízo investigativo, que estabelecerá se a obra de sua vida demonstrou sua fé ou não. Isto estabelece uma significativa diferença entre a doutrina da justificação dos reformadores e a do Adventismo. Os reformadores sustentavam que o pecador é justificado por graça, por meio da fé em Cristo, e Deus o declara justo no momento do arrependimento. As boas obras subseqüentes são o fruto desta justificação, mas não têm mérito salvador. Como Paulo, os reformadores ensinavam que uma pessoa é justificada por meio da fé, à parte das obras da lei (Rom. 3:28). A Igreja Adventista ensina que o pecador arrependido é justificado (declarado justo) num julgamento investigativo no qual a obediência à lei é uma necessária demonstração da própria fé. [4] A justificação do homem, pois, depende de uma justiça que deve se encontrar no homem, uma justiça da qual sua obediência é um necessário componente. Ao fazer das obras de obediência um componente essencial da salvação, este ensino compromete a doutrina reformista de justificação só pela graça de Deus por meio da fé. Essa doutrina é semelhante à que a Igreja Católica ensinava em tempos da Reforma, e ainda ensina. [5] A falta de ênfase, por parte do Adventismo, na justificação bíblica pela fé fica evidenciada pela escassez de livros Adventistas sobre essa jóia das Escrituras – a epístola de Paulo aos Romanos. Entre todos os livros dedicados à especulação apocalíptica e ao vegetarianismo, há poucas obras de autores Adventistas que tratam desta epístola, a mais grandiosa exposição bíblica de como o pecador é justificado diante de Deus; a fonte da qual Lutero e Calvino derivaram sua doutrina da justificação. II) O Sacerdócio de Todos os Crentes Os reformadores sustentavam que todos os membros da igreja estão em igual posição porque são irmãos e irmãs em Cristo. Cada um na igreja é parte de um real sacerdócio e está consagrado, qualquer que seja sua vocação, a ministrar às necessidades dos demais. Para pregar a Palavra, alguns são chamados à vocação do ministério, mas os ministros são servos da igreja, não seus amos. Lutero fazia questão de que uma congregação local podia exercer seu direito a chamar e a despedir a um ministro. [6] A administração das congregações de Calvino, em Genebra, foi-lhe conferida a um consistório composto de seis ministros e doze leigos. No sistema de Calvino, delegavam-se grandes responsabilidades a estes leigos. [7] Com estas medidas, os reformadores procuravam aplicar sua doutrina do sacerdócio dos crentes. Em geral, os Adventistas achavam que sua igreja é administrada de uma maneira representativa. Muitos se surpreenderam quando o presidente e um vice-presidente da Conferência Geral apresentaram ou autorizaram que se apresentassem, num tribunal federal, declarações juradas no sentido de que a igreja Adventista tem uma estrutura hierárquica na qual as decisões finais são tomadas pelos cabeças da organização. [8] Estes oficiais de igreja e seus conselheiros legais reconheceram que a organização da igreja Adventista se parece mais de perto com sistema hierárquico romano que o de qualquer igreja protestante. Em realidade, a descrição da igreja, contida num expediente Adventista de defesa apresentado ao tribunal, é similar às palavras da Encíclica Vehementer do Papa Pío X. [9] A representação que se concede à Igreja Adventista local funciona como o "centralismo democrático" por meio do qual Lenin criou para controlar as massas russas. Os representantes da congregação local, sim ,votam em certas convocações, mas a seleção dos candidatos e os pontos sobre os quais se vota são controlados muito mais pelo clero administrativo. E a lei que concede aos oficiais da conferência o direito de participar das reuniões da comissão de igreja e de negócios não pode senão estender o controle hierárquico das congregações locais. [10] À semelhança de sua contraparte católica, espera-se que o leigo Adventista "pague, ore, e obedeça". Em tais circunstâncias, o sacerdócio dos crentes é uma expressão que soa bem, mas que guarda pouca relação com as realidades da política da igreja ou sua implementação. E a igreja se converteu numa organização, antes que numa comunidade de crentes. III) A Autoridade da Bíblia Os reformadores sustentavam que a vontade de Deus pode ser devidamente conhecida por meio da Bíblia, que dá testemunho de Cristo como Salvador e contém todo o conhecimento necessário para a salvação. Talvez, o discernimento mais significativo do papel das Escrituras foi a auto-interpretação delas na comunidade cristã ao ser movido o leitor pelo Espírito Santo. O estudante da Bíblia que se rende ao Espírito do Autor da Bíblia não precisa de nenhuma outra fonte, seja a autoridade da igreja para ensinar ou o dom espiritual especial de outro indivíduo. [11] Os reformadores, pois, negavam as afirmações, tanto do clero hierárquico como dos entusiastas espirituais, de que estes possuíam poderes especiais de interpretação. A auto-interpretação da Bíblia pressupõe que sua mensagem é tão clara que tanto o empregado da lavoura quanto o bispo que lêem as Escrituras podem aprender o caminho da salvação. A Igreja Adventista do Sétimo Dia aceita a Bíblia como infalível revelação da vontade de Deus e fonte autorizada de doutrina. Mas, junto com este reconhecimento, a igreja ensina que os escritos de Ellen G. White são uma fonte inspirada, autorizada e contínua verdade e instrução. No Adventismo há, então, uma fonte externa por meio da qual se deve entender a Bíblia, porque essa fonte (Ellen G. White) é uma autoridade inspirada para o ensino. Por causa da posição de autoridade que se tem atribuído a ela, não pode se aceitar nenhuma exegese das Escrituras que difira de Ellen White. Disto se segue que não se permite nenhuma interpretação de um texto bíblico que difira das afirmações de Ellen G. White. Portanto, a Bíblia fica funcionalmente subordinada aos escritos de Ellen G. White, que vão desde Gênesis até Apocalipse. Tal perspectiva nega tanto a primazia das Sagradas Escrituras como a guia do Espírito Santo na maneira em que o indivíduo entende seu significado. E qualquer ministro adventista que tenha perguntas sobre a interpretação da bíblia por Ellen G. White deve escolher entre se deve guardar suas perguntas ou procurar outro emprego. Ainda que as igrejas Adventistas leiam as mesmas Bíblias, cantem os mesmos hinos e sigam as mesmas formas de culto que as igrejas protestantes, o Adventismo não se ajusta aos ensinos básicos de uma verdadeira igreja protestante. Se a Igreja Adventista não é verdadeiramente protestante, como se indicou acima, então, em que categoria religiosa deve ser incluída? Ao fazer esta avaliação, não é irrazoável perguntar: É o Adventismo, com sua atual dedicação à autoridade doutrinária de Ellen G.White, "outro evangelho", como o advertiu Paulo em sua carta aos Gálatas? (Gál. 1:8, 9).
Notas finais
1. Paul Althaus, The Theology of Martin Luther, Tr. por Robert C. Schultz. (Philadelphia: Fortress Press, 1966), p. 224. 2. ________, The Augsburg Confession. (Philadelphia: Fortress Press, ed. de 1980), p. 11. 3. ________, Statement of Fundamental Beliefs of the Seventh-day Adventist Church, ed. de 1980. 4. Ellen G. White, The Great Controversy. (Mountain View, CA: Pacific Press, 1911), p. 482. 5. Bernard Lohse, A Short Hisory of Christian Doctrine Tr. por Ernest Stoeffler. (Philadelphia: Fortress Press, 1966). p. 159. 6. Luther´s Works, American Edition, 55. vols. (St. Louis: Concordia Publishing House, 1955-), 39:303-314. 7. A. J. Grant, The Huguenots. ( : Anchon Books, 1969), p. 19. 8. Spectrum, Vol. 9. Não. 2, p. 24. 9. Citado na obra de J. S. Whale, Christian Doctrine. (Cambridge, England: University Press, 1981), pp. 133, 134). 10. Columbia Union Visitor, April 1, 1985, p. 5. 11. Paul Althaus, pp. 76,77.
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