Douglas Cooper
Em lugar de exercer tanto esforço e energia para distanciar-se dos davidianos, cada adventista deveria deter-se por um momento. Precisamos ponderar sobre a possibilidade de que uma parte de nós, uma parte de nossa história, uma parte de nossa subcultura, pode ter permanecido ativa num recanto da distorcida mente de David Koresh. Um pedaço de um lado pouco salutar de nossa própria religião pode ter explodido num recanto do complexo de Waco.
Como se dá com muitas famílias humanas, nossa família religiosa tem o seu lado problemático. Uma família problemática com freqüência tem seu bode expiatório. É aquele membro que age de um modo mais extremado segundo o lado doentio, distorcido, da família.
O bode expiatório se lança mais a excessos do que o restante da família. Isso, em certo sentido, convém àquela família. A atenção é desviada do próprio problema básico da unidade familiar e vai para o membro com evidências de desajuste maior. Esse bode expiatório carrega os "pecados" da família e a protege do escrutínio público.
Em certo sentido, quanto mais extremadas são as crenças ou atitudes desse bode expiatório, mais bem servida será a família problemática. O resto da família se posta em negação, nunca parando para analisar suas próprias distorções e necessidade de crescimento e mudança. Mantém demasiado enfoque sobre o comportamento escandaloso da ovelha negra!
Não obstante o empenho dos departamentos de relações públicas da denominação buscar nos convencer de que não há ligação entre os davidianos e nós, precisamos examinar bem essa questão. Talvez nosso irmão ovelha negra David estivesse desempenhando o papel do bode expiatório para nós eficientemente.
Indagações, em vez de Negação
Se por um instante analisarmos detida e honestamente a nós mesmos, podemos ver que a igreja pode aprender com a tragédia de Waco. Talvez uma religião mais salutar, uma família eclesiástica mais saudável para todos nós, poderia resultar disso.
Não só para adventistas. Os membros de qualquer denominação podem beneficiar-se. Todos precisamos fazer um reexame de nós próprios à luz das chamas que incendiaram Waco.
Podíamos começar formulando a nós mesmos algumas difíceis perguntas. Indagações sobre como temos separado nossa religião de nossa religiosidade, nossos sentimentos religiosos saudáveis da religiosidade viciada, desajustada. Afinal de contas, o sectarismo é meramente uma extensão da religião viciada.
Sinais de uma Religião Doentia
Os sintomas de vícios na prática religiosa incluem:
- Obter a maior parte da auto-estima por pertencer a uma igreja.
- Renunciar à individualidade e poder em favor da igreja. Isso inclui resistir a pensar por si mesmo, não se dispor a questionar crenças ou autoridade religiosas, e negligenciar-se, ou à família, para servir à igreja.
- Orgulho espiritual exclusivista que leve alguém a sentir-se moral e espiritualmente superior aos demais. A pessoa se vê como membro de uma elite minoritária, tendo acesso a conhecimento ou verdades vitais especiais que a tornam superior aos outros.
- Uma visão estreita de inspiração que inclui uma interpretação literal e dogmática das Escrituras.
- O uso da Bíblia e outros escritos religiosos como um chicote ou tenaz para coagir outros a crerem ou se comportarem da mesma forma que tal pessoa. Temor, medo e culpa são freqüentemente empregados como táticas para controlar ou manipular o comportamento ou crenças de outro ou outros.
- A aceitação e ensino de um teologia distorcida. Por exemplo, a doutrina de um inferno de fogo e enxofre eternamente ardendo representa uma teologia distorcida. Crer que Deus está mais preocupado com o julgamento, punição e em aterrorizar do que com graça, misericórdia e amor incondicional é teologia distorcida. Realçar a pecaminosidade inerente e a malignidade da natureza humana com exclusão do fato de que os seres humanos são filhos de Deus, criados à Sua amorável imagem, é teologia distorcida. A pessoa que opera sob o engano de que seu próprio bom comportamento tem muito a ver com a obtenção do amor de Deus e a salvação também está se apegando a uma teologia distorcida, baseada na vergonha.
...Mentalidade de Paranóia
Outra mentalidade nada salutar poderia também levar a desvios indivíduos vulneráveis como D. Koresh. Alguns de nós na Igreja Adventista no passado destacamos uma teologia apocalíptica assustadora. Pessoas com tendência a paranóia religiosa podem ser abaladas com tal ensino.
Um estudante do Colégio União do Pacífico, em Angwin, Califórnia, descreveu suas lembranças religiosas passadas para o jornal acadêmico nos seguintes termos:
Sendo adventista desde o berço fui cedo iniciado no jargão do terror dos tempos finais. Lembro-me como me foi apresentado o conceito de leis dominicais por um adulto que declarava implacavelmente que os que assistiam aos cultos na igreja aos sábados, em vez de aos domingos, seriam algum dia mortos. E isso poderia ocorrer em qualquer ocasião! Sentia-me literalmente deprimido durante meses em vista disso. Tinha somente sete ou oito anos, contudo achava-me envolvido num lusco-fusco de terror como nunca experimentei em minha vida adulta.
Naqueles tempos ouviam-se nas igrejas sermões apavorantes, e quando os adultos se reuniam na sala de estar às sextas-feiras à noite, a conversação girava em torno de leis dominicais, a besta, o anticristo, a batalha do Armagedom. Nós como crianças ouvíamos tais conversas e íamos para a cama muitas noites apavorados! Os pequenos ficavam com a sensação de que na calada da noite seriam arrastados para fora e torturadas pelos católicos!
Nossa ênfase indevida aos terrores dos últimos dias pode inadvertidamente ter alimentado o lado obscuro de almas feridas e vulneráveis como a de David Koresh. Dada essa ênfase sobre os terrores do tempo do fim, que praticávamos mais freqüentemente no passado, sentimentos de perseguição e paranóia têm perdurado.
Resultados da Rejeição
Sendo filho ilegítimo com dificuldades de aprendizagem, a vida pregressa de David Koresh não deve ter sido fácil. Abandonar a escola no início do segundo grau não contribuiu para elevar sua baixa auto-estima.
Sua avó relata que quando ele se uniu à Igreja Adventista em Tyler, Texas, foi tratado com desdém. Seus cabelos longos, estilo de vestuário e preferências musicais eram inaceitáveis.
Em lugar de ser aceito pelo que era, em vez de ser amado incondicionalmente pela igreja, ele aparentemente foi julgado e criticado. Pode-se conjecturar que em parte, como resultado dessa rejeição, é que ele se bandeou para o Ramo Davidiano em Waco.
Nós, adventistas, nunca saberemos quanto essa falha em amar e apoiar um jovem solitário e inseguro pode ter contribuído para a tragédia subseqüente.
Quando a religião se torna religiosidade e sua ênfase recai sobre temor, culpa, e vergonha, é facilmente distorcida numa religiosidade viciada. Tal situação conduz pessoas a posições extremadas, como se dá no sectarismo.
Era David Koresh o Messias? Certamente não. Teria morrido por causa de nossos pecados?
É bem possível.
Douglas Cooper, Ph. D., é um conselheiro familiar, matrimonial e infantil em Napa Valley, California, EUA. Ele atuava como pastor-associado voluntário do Centro Comunitário Adventista em Santa Helena, Calif, quando redigiu o artigo "Cult R Us", publicado pela Good News Unlimited, em julho de 1993, págs. 6 a 8 e que transcrevemos aqui parcialmente
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