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Desde a
pré-história que o Homem ficou deslumbrado pela
sucessão dos dias e das noites e pelo desenrolar das
fases da Lua: estes fenómenos conduziram às noções de
dia e de mês. A noção de ano é menos evidente e foi
só com o desenvolvimento da agricultura que os povos
primitivos se aperceberam do ciclo das estações. São,
portanto, o dia, o mês lunar ou lunação e o ano os
períodos astronómicos naturais utilizados em qualquer
calendário. Vamos precisar melhor cada um deles.
Conceitos
O dia solar verdadeiro,
intervalo de tempo entre duas passagens consecutivas do
Sol pelo meridiano dum lugar, varia entre 23h 59m 39s
e 24h 00m 30s. Estas variações, devidas às
desigualdades que afectam a ascensão recta do Sol,
obrigam-nos a utilizar um dia civil, com a duração de
24 horas. Este dia, definido em função do dia solar
médio, começa à meia-noite e termina à meia-noite
seguinte.
A lunação, intervalo de
tempo entro duas conjunções consecutivas da Lua com o
Sol, também não é um valor constante, mas varia entre
29 dias e 6 horas e 29 dias e 20 horas. O seu valor
médio, conhecido com grande precisão, é de 29d 12h
44m 02,8s. A revolução sinódica da Lua está na
origem dos calendários lunares, em que os meses têm
alternadamente 29 dias e 30 dias. O seu valor médio é,
portanto, de 29,5 dias, diferindo 44m do mês sinódico.
Em Astronomia consideram-se
várias espécies de ano. Iremos referir-nos apenas ao
ano sideral e ao ano trópico.
O ano sideral, duração
da revolução da Terra em torno do Sol, é igual a 365d
06h 09m 09,8s. É este ano que intervém na terceira
lei de Kepler da mecânica celeste, ao ligar as
durações das revoluções dos planetas com os eixos
maiores das órbitas.
O ano trópico, tempo
decorrido entre duas passagens consecutivas do Sol médio
pelo ponto vernal, é actualmente de 365d 05h 48m 45,3s. É mais curto do que o ano sideral, devido à
precessão dos equinócios, que faz retrogradar o ponto
vernal de 50,24 segundos de arco por ano. É o ano
trópico que regula o retorno das estações e que
intervém nos calendários solares.
Há ainda os calendários
luni-solares, que procuram harmonizar as lunações
com a revolução trópica do Sol.
O protótipo actual de
calendário lunar é o calendário islâmico; do
calendário solar é o calendário gregoriano; do calendário
luni-solar é o calendário israelita. Mas também o
calendário gregoriano conserva, de certo modo, uma base
luni-solar no que diz respeito às regras para a
determinação da data da Páscoa, a que procuraremos
mais adiante fazer referência.
Um outro período de tempo
utilizado nos calendários é a semana de sete dias, cuja
origem se desconhece. É provável que estivesse
relacionada com o mês lunar, visto que sete dias são
aproximadamente um quarto de lunação, o intervalo
aproximado entre a Lua cheia e o quarto minguante, ou
talvez com o número dos sete astros principais do
firmamento (os cinco planetas conhecidos na Antiguidade
mais o Sol e a Lua). Mas é provável que a escolha de um
intervalo de sete dias se deva ao carácter sagrado do
número sete entre os judeus. Seja como for, o ciclo
semanal de sete dias propagou-se inicialmente para
oriente e só bastante mais tarde chegou ao ocidente,
encontrando-se hoje praticamente incorporado em todos os
calendários, como ciclo regulador das actividades
laborais.
Calendários antigos
Os mais primitivos calendários
do velho Continente, de que a História nos proporciona
uma informação concreta, são o hebreu e o egípcio.
Ambos tinham um ano civil de 360 dias: curto para
representar o ciclo das estações, mas grande para
corresponder ao chamado "ano lunar" , que se
define como um período de tempo igual a 12 lunações
completas existentes no ano trópico, ainda desconhecido.
Ignora-se como os hebreus
dividiam o ano, mas depreende-se que já utilizavam a
semana, visto que seguiam o mesmo princípio para contar
os anos, agrupando-os em septanas ou semanas de
"sete anos". Pelo contrário, os egípcios
dividiam o ano em 12 meses de 30 dias e cada mês em
três décadas. Os egípcios também dividiam o ano em
três estações, de acordo com as suas actividades
agrícolas dependentes das cheias do Nilo: a estação
das inundações; a estação das sementeiras e a
estação das colheitas.
Não satisfeitos com o ano de
360 dias, estes povos procuraram aperfeiçoar o seu
calendário, embora seguindo caminhos diferentes. Os
hebreus voltaram-se para o sistema luni-solar, ajustando
os meses com o movimento sinódico da Lua e coordenando o
ano com o ciclo das estações. Por sua vez, os egípcios
abandonaram por completo o sistema lunar para seguir
unicamente o ciclo das estações, tal como as observavam
no Egipto, visto desconhecerem ainda a duração do ano
trópico.
Depois de muitas reformas, por
volta do ano 5000 a. C., os egípcios estabeleceram um
ano civil invariável de 365 dias, conservando a
tradicional divisão em 12 meses de 30 dias e 5 dias
adicionais no fim de cada ano. O atraso aproximado de 6
horas por ano em relação ao ano trópico motivou que,
lentamente, as estações egípcias se fossem atrasando,
originando uma rotação destas por todos os meses do
ano. Por esse motivo, os egípcios começaram uma
cuidadosa observação no ano 2783 a. C., comprovando que
em 1323, também a. C., as estações voltavam a
coincidir nas mesmas datas do calendário. A este
período de 1461 anos egípcios e que corresponde a 1460
anos julianos, deu-se o nome de período sotíaco, de
Sothis ou Sirius, em cujo nascimento helíaco se basearam
as observações.
Apesar desta comprovação, os
egípcios não fizeram qualquer correcção no seu ano
vago e um segundo período sotíaco seria
iniciado em 1323 a. C. Porém, no ano 238 a. C., houve
uma tentativa para reformar o calendário egípcio por
forma a pô-lo de acordo com o ciclo das estações mas
sem êxito, devido à oposição de determinadas classes
sacerdotais. Só no ano 25 a. C. foi adoptada a reforma
juliana, introduzindo, de 4 em 4 anos, 6 dias adicionais
em vez de 5.
Os gregos estabeleceram um ano
lunar de 354 dias, que dividiram em 12 meses de 30 e 29
dias, alternadamente. Por conseguinte, tinha menos 11
dias e 6 horas do que a ano trópico, sendo necessário
fazer intercalações para estabelecer a devida
correspondência. Estas intercalações tinham o nome de dietérida,
¾ ciclo de dois anos ¾ ; trietérida, ¾ ciclo de três anos ¾ , etc. Os meses, como no calendário
egípcio, eram dedicados aos deuses e neles se celebravam
festas, não só em honra do deus correspondente, mas
também muitas outras dedicados aos astros, às
estações, etc.
No primitivo calendário romano,
o ano tinha 304 dias distribuídos por 10 meses. Os 4
primeiros tinham nomes próprios dedicados aos deuses da
mitologia romana e provinham de tempos mais remotos, em
que, provavelmente, se aplicaram às 4 estações; os 6
restantes eram designados por números ordinais,
indicativos da ordem que ocupavam no calendário, segundo
o esquema:
Como se depreende, tratava-se
dum calendário sem qualquer base astronómica, pois os
períodos nele definidos não tinham qualquer relação
com os movimentos do Sol ou da Lua. Por isso, no tempo de
Rómulo já foram introduzidas algumas intercalações
por forma a harmonizar o calendário vigente com os
citados períodos astronómicos.
O calendário de Rómulo foi
reformulado por Numa Pompílio, o qual, seguindo o
exemplo dos gregos, estabeleceu o ano de 12 meses, mas
introduzindo em primeiro lugar o mês de Januarius, dedicado
a Jano, e em último lugar o mês de Februarius, dedicado
a Februa, ao qual os romanos ofereciam sacrifícios para
expiar as suas faltas de todo o ano. Este foi o motivo
por que o mês de Februarius foi colocado no fim. Mas
Numa modificou também a duração dos meses, deixando o
calendário do seguinte modo:
Consequentemente, o ano tinha
354 dias (ano lunar dos gregos). Mas esta estranha
distribuição dos dias pelos meses era devida à
superstição dos romanos que tomavam por nefastos os
números pares. Pela mesma razão, consideraram nefasto o
ano de 354 dias e aumentaram-no para 355 dias, atribuindo
o dia excedente a Februarius, que passou a ter 28 dias.
Entretanto, os romanos sentiram
também a necessidade de coordenar o seu ano lunar com o
ciclo das estações e seguindo, de certo modo, o exemplo
dos gregos, estabeleceram um rudimentar sistema
luni-solar, introduzindo no seu calendário, de dois em
dois anos, um novo mês: Mercedonius, assim
chamado por estas intercalações serem feitas na época
em que os senhores outorgavam as suas mercês aos
escravos (uma espécie de gratificações voluntárias
pelos serviços prestados).
O Mercedonius, cuja
duração alternava de 22 ou 23 dias, intercalava-se
entre 23 e 24 de Februarius, que se interrompia,
completando-se depois da mesma. O ano assim formado
tinha, em média, 366,25 dias, portanto mais um dia do
que o ciclo das estações. Foram estabelecidos várias
normas para atender a esse aspecto que na prática não
resultaram, pois as intercalações passaram a ser feitas
de acordo com interesses particulares ou políticos: os
pontífices alongavam ou encurtavam o ano conforme os
seus amigos estavam ou não no poder. A desordem atingiu
tal ponto que o começo do ano já estava adiantado de
três meses em relação ao ciclo das estações.
Calendário juliano
Foi esta desordem que Júlio
César encontrou ao chegar ao poder. Decidido a acabar
com os abusos dos pontífices, chamou a Roma o astrónomo
grego Sosígenes, da escola de Alexandria, para que
examinasse a situação e o aconselhasse nas medidas que
deveriam ser adoptadas.
Estudado o problema, Sosígenes
observou que o calendário romano estava adiantado de 67
dias em relação ao ano natural ou ciclo das estações,
Para desfazer essa diferença, Júlio César ordenou que
naquele ano (708 de Roma, ou 46 a.C.), além do
Mercedonius de 23 dias que correspondia intercalar
naquele ano, fossem adicionados mais dois meses, um de 33
dias, outro de 34 dias, entre os meses de November e
December. Resultou assim um ano civil de 445 dias, o
maior de todos os tempos, único na história do
calendário e conhecido pelo nome de Ano da confusão,
pois, devido à grande extensão dos domínios de
Roma e à lentidão dos meios de comunicação de então,
nalgumas regiões a ordem foi recebida com tal atraso que
já havia começado um novo ano.
Foi então abolido o calendário
lunar dos decênviros e adoptou-se o calendário solar,
conhecido por Juliano, de Júlio César, que
começou a vigorar no ano 709 de Roma (45 a.C.), mediante
um sistema que devia desenrolar-se por ciclos de quatro
anos, com três comuns de 365 dias e um bissexto de 366
dias, a fim de compensar as quase seis horas que havia de
diferença para o ano trópico. Suprimiu-se o Mercedonius
e Februarius passou a ser o segundo mês do ano.
Consequentemente, os restantes meses atrasaram uma
posição, além da que já haviam atrasado na primeira
reforma de Numa, com a consequente falta de sentido dos
meses com designação ordinal. O valor médio do ano
passou a ser de 365,25 dias e o equinócio da primavera
deveria ocorrer por volta de 25 de Março.
Era a seguinte a ordenação e
duração dos meses no primitivo calendário juliano:
Como se pode observar, a
distribuição dos dias do ano fez-se alternando os meses
de 30 e 31 dias, consoante fosse par ou ímpar a sua
ordem no calendário nos anos bissextos, ficando
Februarius com 29 dias nos anos comuns. Assim, por
disposição de Júlio César, os romanos tiveram de
abolir a sua prevenção contra os meses de dias pares,
que sempre haviam considerado nefastos ou de mau agoiro.
Evolução do
calendário juliano
Durante o consulado de Marco
António, reconhecendo-se a importância da reforma
introduzida no calendário romano por Júlio César, foi
decidido prestar-lhe justa homenagem, perpetuando o seu
nome no calendário, de maneira que o sétimo mês,
Quintilis, passou a chamar-se Julius.
Também no ano 730 de Roma, o
Senado romano decretou que o oitavo mês, Sextilis,
passasse a chamar-se Augustus, porque durante este
mês começou o imperador César Augusto o seu primeiro
consulado e pôs fim à guerra civil que desolava o povo
romano. E para que o mês dedicado a César Augusto não
tivesse menos dias do que o dedicado a Júlio César, o
mês de Augustus passou a ter 31 dias. Este dia saiu do
mês de Februarius, que ficou com 28 dias nos anos comuns
e 29 nos bissextos. Também para que não houvesse tantos
meses seguidos com 31 dias, reduziram-se para 30 dias os
meses de September e November, passando a ter 31 dias os
de October e December. Assim se chegou à distribuição
sem lógica alguma dos dias pelos meses, que ainda hoje
perdura e que transcrevemos a seguir com os nomes actuais
em língua portuguesa:
De princípio, o calendário
juliano conservou as letras nundinais para determinar a
data dos mercados públicos, a divisão dos meses pelas
calendas, nonas e idus e a nomenclatura ordinal dos dias.
O dia excedente de Februarius, nos anos bissextos, era
intercalado ¾ como o fora anteriormente o mês
Mercedonius ¾ entre os dias 23 e 24. Quando Februarius
passou a ter 28 dias nos anos comuns, o seu 23.º dia era
o 6.º antes das calendas de Março. Portanto, o dia
seguinte, que era intercalado de 4 em 4 anos, passou a
designar-se por bissextocalendas (ou bissextus
dies ante calendas Martii). Daí o nome de dia
bissexto e, por arrastamento, de ano bissexto que
hoje se dá aos anos em que o mês de Fevereiro tem 29
dias.
Mas o ciclo de 4 anos de
Sosígenes começou por ser mal aplicado, pois em vez de
se contarem 3 anos comuns e um bissexto, como, de facto,
recomendava aquele astrónomo, os pontífices romanos
falsearam a contagem ¾ ou a
interpretaram mal, ainda que isso não pareça muito
provável dada a sua simplicidade ¾ e intercalaram um ano bissexto de 3 em 3
anos. Assim, durante os primeiros 36 anos de vigência do
calendário juliano foram intercalados 12 bissextos em
vez de 9. Para remediar este erro, e como 12 bissextos
correspondiam a 48 anos, César Augusto suspendeu as
intercalações durante 12 anos, começando então a ser
feita de 4 em 4 anos, como era correcto. Em geral, a
cronologia não refere este facto e admite-se que o
calendário juliano seguiu correctamente desde o
princípio.
Por aquela época tiveram lugar
na Terra Santa os mistérios da Vida, Paixão, Morte e
Ressurreição de Jesus Cristo, o advento do cristianismo
e a difusão desta doutrina. Tal ocorrência acabaria por
ter bastante influência na evolução do calendário
juliano: a fixação das regras para a determinação da
data da Páscoa e a adopção oficial da semana no
calendário romano.
Os cristãos da Ásia Menor
celebravam a Páscoa cristã no dia 14 da primeira Lua
que começasse em Março, qualquer que fosse o dia da
semana em que ocorresse essa data. Pelo contrário, os
cristãos do Ocidente celebravam-na no domingo seguinte a
esse dia. Esta discrepância entre os cristãos do
Oriente e do Ocidente na comemoração de tão importante
acontecimento, deu origem a sérias polémicas entre os
altos dignatários das duas Igrejas. A questão foi
resolvida no concílio de Niceia (ano 325 da nossa
era): Jesus Cristo ressuscitou num domingo, 16 Nissan do
calendário judeu, coincidente com o plenilúnio do
começo da primavera. O concílio decidiu manter estes
três símbolos e acordou que a Páscoa passaria a ser
celebrada universalmente, no domingo seguinte ao
plenilúnio que tivesse lugar no equinócio da primavera
ou imediatamente a seguir.
Os cristãos, que entretanto iam
ganhando posições em toda a parte, precisavam da semana
hebraica para o seu culto, visto que tinham de guardar o
preceito do descanso ao sétimo dia e, assim, a semana
acabou por ser adoptada no calendário romano,
abolindo-se, pouco a pouco, as letras nundinais e o uso
das calendas, nonas e idus.
Convém salientar que o ano de
365,25 dias do calendário juliano é cerca de 11m 14s
mais longo do que o ano trópico. A acumulação desta
diferença ao longo dos anos representa um dia em 128
anos e cerca de três dias em 400 anos. Assim, o
equinócio da primavera que no tempo de Sosígenes
ocorria por volta de 25 de Março, ao realizar-se o
concílio de Niceia, quase quatro séculos depois, teve
lugar a 21 de Março.
Problemas com o
calendário juliano
Este deslocamento do equinócio
no calendário, que não foi tomado em consideração
pelos padres conciliares de Niceia, continuou a
produzir-se à razão de um dia em cada 128 anos,
causando várias preocupações à Igreja durante toda a
Idade Média, visto que esse atraso poderia dar origem a
novas discrepâncias sobre a data da Páscoa. O problema
foi tratado nos concílios de Constança (1414) e
Basileia (1436 e 1439), mas não foi possível chegar a
qualquer acordo. Em 1474, o Papa Sixto IV encarregou Juan
Muller de estudar o meio de reformar o calendário, mas
este sábio alemão, conhecido pelo nome de Regiomontano,
morreu dois anos depois sem ter apresentado as
conclusões do seu trabalho. No concílio de S. João de
Latrão (1511 a 1515) foi novamente abordado o problema e
no de Trento (1545 a 1563) chegou a ser discutido um
projecto de reforma que não pôde ser concretizado,
apesar dos esforços do Papa Pio IV, dada a escassa
preparação científica de então para reconhecer as
vantagens.
Foi necessária a autoridade de
um Papa com a cultura e a tenacidade de Gregório XIII
para conseguir impor a reforma. Entretanto, o equinócio
da primavera ocorria já por volta de 11 de Março.
Depois de várias consultas a instituições
científicas, em 1576 foi criada uma comissão
encarregada de estudar o problema e as várias propostas
existentes para o resolver. Nesta comissão, constituída
pelos melhores astrónomos e matemáticos da época, teve
papel preponderante o célebre padre jesuíta Clavius,
que estudara matemática em Coimbra com Pedro Nunes.
Foi preferido o projecto de
reforma apresentado pelo astrónomo Luís Lílio
e comunicado em 1577 e 1578 a numerosos príncipes,
bispos e universidades para darem a sua opinião. Só
depois de analisadas pela comissão todas essas
respostas, se resolveu adoptar finalmente o projecto de
Lílio e em 24 de Fevereiro de 1582 Gregório XIII
expediu a bula Inter Gravíssimas, que estabelecia
os pontos essenciais do novo calendário.
Calendário
gregoriano
A reforma gregoriana tinha por
finalidade fazer regressar o equinócio da primavera a 21
de Março e desfazer o erro de 10 dias já existente.
Para isso, a bula mandava que o dia imediato à
quinta-feira 4 de Outubro fosse designado por sexta-feira
15 de Outubro. Como se vê, embora houvesse um salto nos
dias, manteve-se intacto o ciclo semanal.
Para evitar, no futuro, a
repetição da diferença foi estabelecido que os anos
seculares só seriam bissextos se fossem divisíveis por
400. Suprimir-se-iam, assim, 3 dias em cada 400
anos, razão pela qual o ano 1600 foi bissexto, mas não
o foram os anos 1700, 1800 e 1900, que teriam sido
segundo a regra juliana, por serem divisíveis por
4.
A duração do ano gregoriano
é, em média, de 365d 05h 49m 12s, isto é, tem
actualmente mais 27s do que o ano trópico. A
acumulação desta diferença ao longo do tempo
representará um dia em cada 3000 anos. É evidente que
não valia a pena aos astrónomos de Gregório XIII
atender a tão pequena e longínqua diferença, nem na
actualidade ela tem ainda qualquer importância. Talvez
lá para o ano 5000 da nossa era, se ainda continuarmos
com o mesmo calendário, seja necessário ter isso em
consideração.
Portugal, Espanha e Itália
foram os únicos países que aceitaram de imediato a
reforma do calendário. Em França e nos Estados
católicos dos Países Baixos a supressão dos 10 dias
fez-se ainda em 1582, durante o mês de Dezembro (9 para
20 em França, 14 para 25 nos Países Baixos). Os Estados
católicos da Alemanha e da Suíça acolheram a reforma
em 1584; a Polónia, após alguma resistência, em 1586 e
a Hungria em 1587. A repugnância foi grande mesmo nos
países católicos, pois isso significava sacrificar 10
dias e romper aparentemente com a continuidade do tempo.
Estas reacções mostram que o calendário toca o
coração das pessoas e que convém tratar a questão com
prudência.
Nos países protestantes a
recusa foi mais longa. O erudito francês Joseph
Scaliger, pelas suas críticas, contribuiu para organizar
a resistência. "Os protestantes, dizia
Kepler, preferem antes estar em desacordo com o Sol do
que de acordo com o Papa". Os protestantes dos
Países Baixos, da Alemanha e da Suíça só por volta de
1700 aceitaram o novo calendário. Mas nalgumas aldeias
suíças foi preciso recorrer à força para obrigar o
povo a fazê-lo. A Inglaterra e a Suécia só o fizeram
em 1752; foi preciso então sacrificar 11 dias, visto que
tinham considerado 1700 como bissexto. O problema na
Inglaterra agravou-se mais porque também nesse ano fora
decidido que o início do ano seria transferido para o
dia 1 de Janeiro (até então o ano começava a 25 de
Março). Deste modo, em Inglaterra haviam-se suprimido
quase três meses no início do ano e em Setembro, com a
adopção do calendário gregoriano, eram suprimidos mais
11 dias. Era demais para um povo fiel às tradições.
Os russos, gregos, turcos e,
duma maneira geral, os povos de religião ortodoxa,
conservaram o calendário juliano até ao princípio
deste século. Como tinham considerado bissextos os anos
de 1700, 1800 e 1900, a diferença era já de 13 dias. A
URSS adoptou o calendário gregoriano em 1918, a Grécia
em 1923 e a Turquia em 1926.
Em conclusão, actualmente o
calendário gregoriano pode ser considerado de uso
universal. Mesmo aqueles povos que, por motivos
religiosos, culturais ou outros, continuam agarrados aos
seus calendários tradicionais, utilizam o calendário
gregoriano nas suas relações internacionais.
A seguir à implantação da
reforma gregoriana, os cristãos suprimiram o descanso ao
sábado, transferindo-o para o domingo em comemoração
perpétua da Ressurreição de Cristo. Assim se quebrou a
unidade de descanso no sétimo dia, estabelecido por
Moisés há mais de 5700 anos. Seguindo o exemplo dos
cristãos, também os muçulmanos renunciaram ao preceito
mosaico de descanso ao sábado e transferiram-no para
sexta-feira, em cujo dia da semana, dez séculos antes, o
Alcorão foi revelado a Maomé e se deu a fuga deste de
Meca para Medina (15 de Julho do ano 622 da era cristã).
Defeitos do
calendário gregoriano
O calendário gregoriano
apresenta alguns defeitos, tanto sob o ponto de vista
astronómico (estrutura interna), como no seu aspecto
prático (estrutura externa). Por isso, vários
investigadores pertencentes a várias igrejas ou
organismos internacionais e mesmo privados se têm
ocupado activamente da reforma do calendário.
Sob o ponto de vista
astronómico, o seu principal defeito é ser ligeiramente
mais longo do que o ano trópico, o que se traduz por uma
diferença de um dia em cerca de 3000 anos. Porém, esta
pequena diferença não tem qualquer inconveniente
imediato e uma reforma do calendário destinada a
corrigi-la traria sérios problemas, porque iria criar
uma descontinuidade com as consequentes complicações
cronológicas.
O mesmo não acontece sob o
ponto de vista prático, em que, de facto, se justifica
uma modificação. Com efeito, o número de dias de cada
mês é muito irregular (28 a 31 dias). O mesmo acontece
com a semana, adoptada quase universalmente como unidade
laboral de tempo, que não se encontra integrada nos
meses e muitas vezes repartida por dois meses diferentes.
Estas duas anomalias têm sérios inconvenientes numa
distribuição racional do trabalho e dos salários, que
são maiores do que à primeira vista se pode pensar.
Até a própria economia doméstica se recente, visto que
um salário mensal fixo tem de ser distribuído por um
número diferente de dias.
Mais grave ainda é a mobilidade
da data da Páscoa, que oscila entre 22 de Março e 25 de
Abril, com as consequentes perturbações da duração
dos trimestres escolares e de numerosas outras
actividades (judiciais, económicas, turísticas, etc.)
particularmente nos países cristãos em que as festas da
Semana Santa têm uma grande importância.
Há ainda um outro ponto que
julgo ser de interesse salientar. Diz respeito ao
tratamento desigual que foi dado à Lua e ao Sol. Com
efeito, os padres do concílio de Niceia e o Papa
Gregório XIII ligaram o calendário ao Sol verdadeiro,
mas tomaram para Lua pascal uma Lua média que,
por vezes, se afasta bastante da Lua astronómica. Por
esse motivo, podem dar-se desvios de uma semana ou mesmo
de um mês na data da Páscoa.
Dada a importância do ciclo
semanal no relacionamento entre os diferentes
calendários e, inclusive, na resolução de algumas
dúvidas, julgamos de interesse dizer mais alguma coisa
sobra o assunto. No quadro junto estão indicados os
respectivos nomes em latim e a sua correspondência com
as línguas latinas. Só o português é que se afasta um
pouco da tradição.
¾ Domingo: dia do Senhor. Dedicado
ao Sol. O astro-rei era tudo para o homem primitivo:
espantava as trevas, aquecia os corpos, amadurecia as
colheitas. Enfim, o Sol era Deus; daí a designação de
Dia do Senhor entre os latinos.
¾ Segunda-feira: dia da Lua. Depois
do Sol e sempre no céu, a Lua era a impressão mais
forte recebida pelo homem. Influía nas marés, no
plantio, no corte das madeiras, talvez mesmo no
nascimento das crianças. Daí a atribuir-lhe um dia da
semana.
¾ Terça-feira: dia de Marte. Na
escala dos poderes que governavam os céus, as trevas e
os seres humanos, Marte pontificava. Era o senhor da
guerra e, portanto, dos destinos das nações e dos
povos. A sua influência era tão grande que, inclusive,
no calendário romano lhe foi destinado um mês (Março).
¾ Quarta-feira: dia de Mercúrio. Era
o deus do comércio, dos viajantes e dos ... ladrões!
Mensageiro e arauto de Júpiter, protegia os comerciantes
e os seus negócios; dada a importância que estas
criaturas tiveram em todos os tempos e em todos os
lugares, alcançaram para o seu deus a consagração de
um dia da semana.
¾ Quinta-feira: dia de Júpiter. Honraria
conferida ao pai dos deuses pagãos, comandante dos
ventos e das tempestades. Daí a ideia de lhe atribuir um
dia da semana, talvez para aplacar a sua fúria.
¾ Sexta-feira: dia de Vénus. Nascida
da espuma do mar para distribuir belezas pelo mundo,
Vénus representava para os pagãos os ideais da
formosura, da harmonia e do amor. Daí a razão de
merecer a homenagem de um dia da semana.
¾ Sábado: dia de Saturno. Saturno,
deus especialmente querido dos Romanos, foi despojado,
pelo uso e pelo tempo, da homenagem consistente em dar
nome a um dia da semana. Em Roma eram celebrados grandes
festejos em sua honra ¾ as
Saturnais ¾ realizadas em Dezembro e que se
prolongavam por vários dias. Mas a homenagem a Saturno,
correspondente a um dia da semana, perdeu-se nas línguas
latinas, em que se deu preferência ao termo hebraico Shabbath,
que significa repouso, indicado na velha lei
judaica como sendo o dia dedicado ao descanso e às
orações. Mas a língua inglesa permaneceu fiei ao velho
Saturno, chamando ainda ao seu sábado Saturday.
Quadro comparativo dos nomes
dos dias da semana
As Eras
Ao longo desta exposição
referimo-nos várias vezes à era de Roma e à era
cristã. Talvez seja vantajoso dizer mais alguma coisa
sobre o assunto. Os romanos datavam os seus anos a partir
da fundação de Roma, "ab urbe
condita" que, de acordo com a opinião de
Varrão, remonta a 753 antes da era cristã. Mas os
romanos contavam a sua era a partir de 21 de Abril.
Assim, o ano 1 da era cristã corresponde cerca de 4
meses ao ano 753 de Roma e o resto ao ano 754. Por
comodidade, recua-se muitas vezes de alguns meses a era
de Roma e faz-se coincidir o ano 1 da nossa era com o ano
754 de Roma.
Só alguns séculos após o
nascimento de Cristo é que se pôs a questão de ligar
este acontecimento a uma origem de contagem do tempo. A
proposta foi apresentada pelo monge cita Dionísío o
Exíguo por volta do ano 532 da nossa era.
Imediatamente adoptada pela Igreja, ela foi-se
generalizando a todos os países católicos. Em Portugal
utilizou-se a era de César ou hispânica até ao ano
1422. Esta era havia sido introduzido na Península
Ibérica no século V para recordar a conquista da
península por Caio Júlio César Augusto no ano 38 a. C.
(ano 716 de Roma). Por determinação de D. João I, foi abolida a era de César e o ano
1460 desta era passou a ser o ano 1422 da era cristã.
Dionísio o Exíguo supunha, de
acordo com as suas investigações, que Jesus Cristo
tinha vindo ao mundo em 25 de Dezembro (VIII das calendas
de Janeiro) do ano 753 de Roma e fixara nessa data o
início da era cristã. Mas os cronologistas introduziram
um atraso de sete dias, de maneira que o início da era
cristã foi transferido para o dia 1 de Janeiro do ano
754 de Roma.
Actualmente parece provado que
os cálculos não estavam correctos e que Cristo deveria
ter nascido 5 a 7 anos antes da data em que se celebra o
seu nascimento. Com efeito, essa data é posterior ao
édito do recenseamento do mundo romano (ano 747 de Roma
ou mais cedo) e anterior à morte de Herodes (ano 750 de
Roma). Para alguns cronologistas, é sugerida a data de
747 de Roma, porque nesse ano Júpiter e Saturno
estiveram em conjunção na constelação dos Peixes em
Setembro e em Novembro e eles vêem neste fenómeno a
"estrela de Belém". Mas, para não perturbar a
cronologia já estabelecida, foi mantida a data
inicialmente proposta, embora tivesse deixado de
corresponder ao significado inicial.
É importante notar que na era
cristã os anos são referidos a uma escala sem
zero, isto é, a contagem inicia-se no ano 1
depois de Cristo, designando-se o ano anterior como ano 1
antes de Cristo. Por conseguinte, qualquer acontecimento
ocorrido durante o primeiro ano da era cristã, embora
seja apenas de um dia ou de um mês, conta-se como tendo
ocorrido no ano 1 depois de Cristo. Por esta razão, o
primeiro século, ou intervalo de 100 anos, da era
cristã, terminou no dia 31 de Dezembro do ano 100 d. C.,
quando haviam decorrido os primeiros 100 anos após o
início da era. O século II começou no dia 1 de Janeiro
do ano 101 d. C. e assim sucessivamente.
Consequentemente, o século XX começou no dia 1 de
Janeiro do ano 1901 e terminará no dia 31 de Dezembro do
ano 2000.
Esta forma pouco lógica de
numerar os anos do calendário é particularmente
inconveniente quando se trata de determinar intervalos de
tempo que começam antes da origem da era cristã e
terminam depois. Assim, por exemplo, o intervalo entre os
anos 50 a.C. e 50 d.C. não é de 100 anos, mas apenas de
99. Em geral, estes intervalos de tempo obtêm-se
diminuindo um ano, o que é necessário ter em conta ao
investigar acontecimentos históricos ou fenómenos
astronómicos da Antiguidade datados segundo a era
cristã.
Este inconveniente é facilmente
resolvido com a introdução dos números negativos, como
aliás o fazem os astrónomos. Assim, o ano 1 a.C.
corresponde ao ano 0, o ano 2 a.C. ao ano -1 e assim
sucessivamente. As datas depois de Cristo exprimem-se da
mesma maneira. Esquematizamos na figura junta a relação
entre as duas contagens.
Para evitar estas dificuldades
cronológicas do calendário, o erudito francês Joseph
Scaliger propôs em 1582, no mesmo ano da reforma
gregoriana do calendário, contar ininterruptamente os
dias correspondentes a um período que fosse múltiplo
dos períodos lunares e solares normalmente utilizados no
calendário e suficientemente extenso para abarcar
acontecimentos históricos desde a mais remota
Antiguidade. Obteve assim um período de 7980 anos
julianos, a que deu o nome de período juliano. Tomando
como unidade prática o dia solar médio, começou a
contar os dias numa sucessão contínua a partir do
meio-dia do dia 1 de Janeiro do ano 4713 a.C. A escolha
desta data, que à primeira vista pode parecer
arbitrária, foi também determinada em função dos
períodos utilizados.
Convém esclarecer que até 1925
o tempo solar médio era contado em astronomia a partir
do meio-dia, para que as observações nocturnas caíssem
sempre dentro do mesmo dia e não a partir da meia-noite,
como é usual no tempo civil. O dia solar médio era
então chamado dia astronómico. A partir de 1925,
por acordo internacional, os dias solares médios
passaram a contar-se com início à meia-noite tanto em
astronomia como na vida civil e a designação de dia
astronómico caiu em desuso. Mas os dias do período
juliano, que começaram a contar-se de meio-dia a
meio-dia segundo o uso astronómico da época, continuam
a contar-se da mesma maneira, por razões óbvias de
continuidade da escala.
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Manuel
Nunes Marques
Eng. Geógrafo
Director do Observatório Astronómico de Lisboa
Tapada da Ajuda
1349 - 018 LISBOA
email: mmarques@oal.ul.pt
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